segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Cansei!


Eu não costumo ser contundente em minhas opiniões sobre a cesárea em meu blog, mas tem horas que simplesmente não dá para engolir. Já cansei da lenga-lenga de amigas e conhecidas (com raras e honrosas exceções) que me dizem: "Meu médico(a) é a favor do parto normal" ou "Estou fazendo de tudo para ser parto normal" ou "Eu quero parto normal, é claro!" e vejo cada uma delas cair em uma cesárea desnecessária - por crise de hemorróidas, por "falta" de dilatação, por "falta" de contração, por cordão enrolado no pescoço, por presença de mecônio, por rotura "prematura" da bolsa de água, por uma ou mais cesáreas prévias, etc. Pior de tudo é depois ter que ouvir o mesmo discurso de sempre: "Ah, mas minha cesárea FOI necessária."

Como diz o ditado, "o pior cego é aquele que não quer enxergar", estas mulheres estão enganando a si mesmas, inconscientemente ou não, para não ter que lidar com o fato de que não foram capazes de resistir aos argumentos de um médico dito “pró-parto-normal”, mas que, na verdade, é um cesarista disfarçado. Não é um cordão enrolado, um mecônio, uma hemorróida, uma cesárea prévia ou uma dilatação lenta que irá impedir um médico verdadeiramente a favor do parto normal de deixar a natureza correr seu curso. Ele irá monitorar com mais atenção os batimentos cardíacos do feto e da mãe, irá conferir o estado de ambos e só então, irá indicar a cesárea, se for realmente o caso.

Já ouvi tantas desculpas para as cesáreas:

“Eu cheguei ao hospital com contrações de 5 em 5 minutos, mas aí eu não tinha dilatação, por isso teve que ser cesárea.”

Hummm ... Acho que ela chegou cedo demais ao hospital e a equipe médica não quis esperar, tacou a faca nela mesmo.

“Entrei em trabalho de parto, mas quando a bolsa estourou, vimos que ele já tinha feito mecônio há mais de um dia. Esperamos uma hora para ver se eu dilatava, mas não deu. Tive de fazer cesárea de emergência.”

Como assim, Bial? Cesárea de emergência? Que emergência? Presença de mecônio sem batimentos cardíacos fetais alterados NÃO é indicativo de cesárea!
Esperar somente UMA hora para ver se dilatava? O parto de primeiro filho pode levar de 6 a 12 horas (ou até mais tempo) e a dilatação também! São raras as mulheres que conseguem a dilatação completa em uma hora!


No início da gravidez: “Eu quero parto normal”
No meio da gravidez, em meio a uma crise de hemorróidas: “Meu médico disse que não vai dar para ser parto normal, por causa das hemorróidas.”
No final da gravidez: “Afinal, eu marquei a cesárea para o dia tal, vocês podem ir me visitar no dia seguinte.”

Essa foi uma das conhecidas que mais me decepcionou, pois na primeira dificuldade (as hemorróidas), ela desistiu rapidinho de ter um parto normal e caiu no papo do médico, mesmo depois de eu ter buscado informações de que hemorróidas não contra-indicavam, de maneira alguma, o parto normal. Ela nem esperou entrar em trabalho de parto, fez uma cesárea com hora marcada! Para quem queria parto normal, ela mudou de idéia muito rapidinho e sem questionar!
E mais tarde, quando fui visitá-la no hospital, ela mal conseguia se mexer por causa da dor do corte da cesárea. Será que valeu a pena?

“A médica marcou uma data para eu começar a sentir as dores. Se as dores não começassem até aquela data, ela faria a cesárea. Aí o dia chegou, eu não sentia dor nenhuma, então ela marcou a cesárea.”

Quer dizer que agora tem hora marcada para começar a sentir as dores do trabalho de parto? O que vem a seguir? Marcar a cesárea quando confirma a gravidez? Ah é ... há mulheres que já fazem isso ...

Finalizo com o discurso que 10 entre 10 mulheres que sofrem uma cesárea dizem, depois de não terem conseguido um parto normal pelas razões que eu listei acima:

“Minha médica é super a favor de parto normal. Ela tentou de tudo. Confio plenamente nela e a cesárea foi absolutamente necessária.”

Então tá. A médica é tão a favor do parto normal, que acabou fazendo uma cesárea desnecessária. Imagina se ela não fosse ... !!!


6 comentários:

Vera Falcão disse...

Ah, Carla, também não tenho saco mais para ouvir essas desculpas esfarrapadas de quem não teve coragem para encarar ativamente um parto normal (participar) e escolheu assistir ao milagre passivamente, de camarote... e também aquela lenga-lenga de que não tem leite ou "meu leite é fraco". Me desculpem as raras exceções, que podem estar lendo essas palavras e sentirem-se ofendidas, mas dá para contar nos dedos os casos realmente necessários, como vc disse no teu texto. Quando sou obrigada a ouvir essa conversinha, visitando parentes e amigas no hospital, fico olhando para o tapete no chão ou para os quadros nas paredes...
bjos

Ric Jones disse...

Querida Carla:
Todos nós temos pleno conhecimento do discurso médico obstétrico contemporâneo. Sabemos que ele é pró-intervenção, que ele é direcionado às necessidades do médico, aos interesses da instituição (hospital), que os profissionais que amparam e estimulam o parto normal são perseguidos ou taxados de "radicais xiitas e perigosos" e sabemos também que a tecnologia é uma Deusa totipotencial que comanda a ação destes médicos. Por outro lado eu tenho plena certeza de que é absolutamente contra-producente esperar que médicos abram mão do g4rande poder que lhes é atribuído sem que as MULHERES assumam o protagonismo de seus corpos, assim como de seus partos. Enquanto tratarmos o nascimento como uma escolha que o MÉDICO faz estaremos oferecendo a eles um controle que exorbita as suas funções de "assistente", colocando-o na posição de "dono e senhor" do processo. A revolução verdadeira, portanto, só poderá partir das próprias mulheres quando elas, corajosamente, oferecerem aos médicos a co-participação no evento do nascimento, mas também se responsabilizando por suas escolhas. Não acredito em vantagens ou direitos outorgados: eles precisam ser conquistados e mantidos. Sem sacrifício não há mérito. As mulheres unidas precisam reconquistar a autonomia oferecida à corporação médica, mas para isso faz-se necessário mobilização e conscientização. Seu blog é mais um passo nesse sentido: alertar as mulheres do tanto que perdem ao negarem a si mesmas a experiência de um parto normal e humanizado.
Um grande beijo
Ric

Carla Beatriz disse...

Vera,
Pior de tudo é as pessoas acharem normal uma mulher sofrer uma cesárea para ter seu filho! E acharem que o parto normal é o "anti-natural", que com a tecnologia de hoje em dia, as mulheres não precisam mais "sofrer" as dores do parto!
Quantas mulheres que querem isso e não conseguem, por causa das tantas outras que se submetem passivamente à cesárea, fazendo com que o médico comodamente indique DESNECESSARIAMENTE essa intervenção tão agressiva à mãe e ao bebê?

Beijos

Carla Beatriz disse...

Ric,
Adorei tua visita e teu comentário! Tu bem sabes que sou tua fã e que uma das melhores escolhas da minha vida foi te ter como meu obstetra em meus dois partos, juntamente com a Zeza. Com o apoio de vocês dois, eu pude ser vitoriosa e parir meus filhos naturalmente, do jeito que eu queria!

Ao mesmo tempo, como é difícil mostrar às mulheres que elas têm escolha SIM e que podem dizer ao médicos o que elas querem e não querem no seu parto e MUDAREM de profissional, quando este não compartilha de seu ponto de vista. O discurso é sempre o mesmo: "Eu confio plenamente no meu médico e sei que ele fará o melhor para mim e meu bebê."

Eu lembro das longas conversas que tínhamos nas minhas consultas de pré-natal, das minhas dúvidas, do que faríamos em caso de emergência, de que nunca farias nada em mim que eu não autorizasse e de como tudo dependia de mim e de minhas escolhas.
Nunca me esquecerei, de meu primeiro parto, depois de mais de 24 longas horas de trabalho de parto, eu exausta, com sono e doida para que tudo terminasse, das tuas palavras: "Carla, tu estás bem, teu bebê está bem, só depende de TI fazer nascer esse bebê." Essas palavras me deram o impulso necessário para parir meu filho, pois só dependia de MIM. E assim foi e eu me senti extremamente VITORIOSA.

Também fico muito feliz em saber que minha experiência serviu de exemplo e inspiração para minha colega de trabalho, que lembrando de mim, também conseguiu parir sua filha e sentiu o mesmo que eu: um orgulho imenso.

Um beijo,

Ana Cláudia disse...

Carla, adorei seu post. Embora eu tenha passado por duas cesáreas. Na primeira, tentei até o último momento e não encontrei nenhum outro médico para me apoiar depois de 10 horas de bolsa rota sem TP ativo. Ou faca, ou estava sem médico. Um cicatriz profunda em minha alma, que nunca deixará de doer.

Na segunda, esperamos bastante e tentamos de tudo. Só concordei com a cesárea (e fui consultada sobre) quando começamos a ter alterações nos batimentos do bb. Nasceu com apgar 7/8. No limite para ficar em observação. Para mim, este é o limite do sofrimento que eu permite à ele. Estou convencida e estava acompanhada pelo melhor médico do RJ que é o Xico Vilela.

O que te digo, amiga, é que o primeiro parto precisa ser normal. A partir daí, você abre literalmente todos os canais.
Em caso contrário, elas se fecham num funil cada dia mais apertado.
E no meu caso foi assim, só encontrei o Xico que apoiasse a tentativa de parto normal tão pouco tempo depois de uma cesárea. E olha que falei com muita gente que se diz humanizada.

Não é fácil sair do sistema. E nem todo mundo tem condições de pagar para ter um auxilio diferenciado. Eu mesma não tinha no primeiro parto. Me submeti a indicações e um vaginalista da pior espécie. Durante muito tempo, não conseguia passar perto de seu consultório sem chorar. Hoje, isso já passou. Mas nunca mais o vi. Não sei se conseguiria olhar na cara dele de novo sem lhe dar um bofetão como desabafo, não vingança, pela dor que sentimos.

E colocar a culpa na mulher, é isentar o médico que estuda e faz parto todo dia, da violência que ele comete quando engana uma grávida que NUNCA pariu na vida.
As mulheres são ingênuas de acreditar? Não, os médicos é que são prepotentes de te enganar.

Por isso, hoje eu fico triste mas não me revolto porque é muito mais fácil culpar as mulheres por não aprender tudo em menos de nove meses e nenhum parto no currículo, diante de um médico que estuda pelo menos 6 anos, e já fez trocentos partos na vida. Sendo assim, me diga, em probabilidade, quem engana quem?
PQP! A sociedade machista nos tira tudo, até a capacidade de parir. E quem disse que não fomos coniventes quando aceitamos que a pílula seja colocada em nós, que nós é que aceitamos tripla jornada?

Nos tiraram nosso papel de mulher e nós desejamos isso. As implicações foram muitas (famílias dilaceras, crianças sem fundamentação familiar, volência gratuita, corrupção de valores )e se deva isso a ausência da mulher no seio familiar. Não precisámos ficar sem provar o licor, mas erramos na dose. Agora nos cabe lutar e alardear todas que conseguem sair desse círculo vicioso em que nos metemos. Mas esperar isso da maioria, minha amiga, eu não acho justo. E precisei de muito tempo para chegar a esta conclusão.

Carla Beatriz disse...

Ana Cláudia,

Eu lembro de tua luta para ter teu parto normal, do teu relato e pelo que passaste e sei que foste submetida à tua primeira cesárea contra a tua vontade.

Tu achas mesmo que não é justo esperar da maioria das mulheres que assumam suas posições de fêmeas parideiras? De que não se deixem enganar pelos médicos? De que aceitem passivamente uma cesárea, sem ao menos questionar?

Eu tenho minhas dúvidas, mas respeito tua opinião e adorei teu comentário. :-)

Um grande beijo